Radcliffe Brown: Estrutura e função na sociedade primitiva

Carlos Eduardo Oliveira
5 min readNov 18, 2020

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Cap.1. “O irmão da mãe na África do Sul” [1924], p. 27–45

Radcliffe Brown — Cap. 1 — Editora Vozes 1973

Alfred Reginald Radcliffe Brown (1881–1955) foi um antropólogo social e etnógrafo britânico que foi fortemente influenciado pela tradição funcionalista Durkheimiana, chegando a fundar uma abordagem teórica conhecida como Estrutural funcionalista da Antropologia. Através desta abordagem teórica, Radcliffe Brown compreendeu que as relações nas sociedades consideradas primitivas são reguladas pelo parentesco. Sendo assim, o presente trabalho tem como objetivo principal demonstrar de forma crítica e sucinta, através do primeiro capítulo da obra “Estrutura e função na sociedade primitiva” de 1952, como Radcliffe Brown examinou a estrutura de parentesco de algumas dessas sociedades através de sua abordagem teórica funcionalista.

O capítulo primeiro da obra é intitulado como “O irmão da Mãe na África do Sul”. Neste capitulo é possível observar como o Autor busca evidenciar a importância que o irmão da mãe tem para alguns povos primitivos, sendo que entre alguns destes povos o filho da irmã detém alguns direitos especiais sobre a propriedade do irmão de sua mãe. Radcliffe Brown argumenta que alguns antropólogos — como por exemplo o Francês Henri Alexandre Junod que pesquisou sobre o povo baThonga — consideram essas práticas como sendo advindas de instituições matriarcais de alguma época passada. Essa é uma compreensão equivocada derivada da escola evolucionista que considerava o sistema matriarcal como sendo apenas uma etapa ultrapassada dessas sociedades.

É exatamente buscando refutar a compreensão equivocada de Junod, que Radcliffe Brown toma como objetivo comparar três povos distintos constituídos por matrizes patrilineares: o povo baThonga, povo Hotentotes Nama e os povos da região das ilhas Friendly da Polinésia (Tonga). A princípio Radcliffe Brown encontra certas similaridades entre esses povos, como por exemplo o filho que tem direito especial pela propriedade do irmão de sua mãe nos povos baThonga e Tonga. Outra similaridade é a importância dada para a irmã do pai. Em Tonga a irmã do pai está acima de todos os demais parentes e é responsável em escolher a esposa dos filhos de seu irmão, ela é sagrada e sua palavra é lei. Junod não aprofundou acerca da relação da irmã do pai entre os baThonga, mas apenas declarou que existe uma relação de grande respeito sobre ela. Já entre os Hotentotes Nama, a irmã do pai é considerada objeto de maior respeito por parte dos filhos. Ou seja, a irmã do pai é igualmente importante ao irmão da mãe, mas de maneira diferente.

Radcliffe Brown compreende que não basta apenas similaridades para demonstrar as falhas na compreensão de Junod. Com isso, o autor busca compreender essa problemática através de certos princípios fundamentais que se apresentam em todas as sociedades. Esses princípios podem explicar de algum modo a importância dessas relações entre irmão da mãe ou entre a irmã do pai. É nesse sentido que o autor apresenta o princípio de classificação da equivalência de irmãos que é comumente utilizado nas sociedades primitivas. Em resumo, os filhos consideram o irmão do pai como uma espécie de pai, e do mesmo modo ocorre com a irmã da mãe que é considerada uma espécie de mãe. Essa classificação está presente nos povos baThonga, Hotentotes Nama e Tonga. Porém, este princípio também não revela um padrão comum sobre a importância da relação entre o irmão da mãe ou da irmã do pai.

Contudo, Radcliffe Brown percebe uma tendência através da linguagem destes povos, que demonstra que o irmão da mãe é considerado uma espécie de mãe masculina e a irmã do pai é considerada um pai feminino. Por exemplo, entre os baThonga a irmã do pai é chamada de rarana que significa pai feminino. Já entre os Tonga, o irmão da mãe é chamado de tuasina ou pela expressão fa’e tangata, que significa mãe masculina. Ainda assim, essa tendência não estabelece nenhum padrão confiável, segundo Radcliffe.

Tendo em vista os princípios anteriormente apresentados e através da obra de Junod, Radcliffe Brown busca melhor compreender os padrões de conduta dessas sociedades. O autor demonstra que a obra de Junod revela que entre os baThongas a relação do filho para com o seu pai e seus familiares se dá por meio de uma conduta de respeito e temor. Já a relação com a família da mãe é muito profunda e terna, combinando respeito e amor. A relação do irmão da mãe com seu filho é uma relação mediada por uma conduta mais familiar, onde o filho espera indulgência e liberdades por parte do irmão de sua mãe. De maneira similar, nos povos das Ilhas Friendly existe uma estreita relação entre o irmão da mãe com um filho de sua irmã, mas também existe uma relação de honra entre o filho da filha por seu avô. Ou seja, ao observar esses comportamentos, Radcliffe conclui que esse padrão de conduta é comum entre as sociedades fortemente patriarcais.

Nesse sentido, Radcliffe Brown compreende que a conduta dos indivíduos uns com os outros são reguladas com base no parentesco. Com isso a organização social se torna segmentaria, ou seja, se torna dividida por número de segmentos como por exemplo: Linhagem ou clãs. Sendo assim, essa organização social sempre implicará em um princípio unilinear, com duas opções: Patrilinear ou Matrilinear. Nas sociedades patrilineares, o sistema de conduta entre o filho da irmã e o irmão da mãe, transcorre do padrão de conduta entre o filho e a mãe, que é um produto direto da vida social da família, e essa conduta tende a estender-se a todos os parentes do grupo à qual pertence o irmão da mãe.

Com uma linguagem objetiva e esclarecedora, Radcliffe Brown explora no primeiro capítulo de sua obra, como as relações sociais são reguladas pelo parentesco e que o irmão da mãe possui uma importante função nas sociedades patrilineares da África do Sul. Todavia, o autor deixa claro que as sociedades matriarcais e patriarcais não são absolutas, e a relação parental dos povos mencionados demonstra um forte bilateralismo, desmontando assim a compreensão equivocada de Junod que é compatível com o evolucionismo.

O leitor que teve a oportunidade de se debruçar sobre alguma das obras do sociólogo Francês Émile Durkheim, vai perceber ao ler o primeiro capítulo de “Estrutura e função na sociedade primitiva” que Radcliffe adota uma construção das hipóteses de maneira similar ao sociólogo francês. Além disso, é importante ressaltar que o conceito de função adotado por Radcliffe Brown é herdado exatamente da visão funcionalista de Durkheim, que também está presente nesta obra nos capítulos IX e X. Essa visão funcionalista é baseada em uma analogia entre vida social e vida orgânica. Radcliffe utiliza deste conceito para estudar interrelações entre estruturas, ou seja, da mesma forma como ocorre entre os órgãos de um organismo. Diferente das visões evolucionistas que acreditavam na história como um processo de evolução através de etapas, Radcliffe entende que a estrutura social determina o processo através das interações sociais entre os indivíduos de forma a sempre se renovar. Em suma, o primeiro capítulo da obra de Radcliffe Brown é um convite aos interessados em melhor compreender a abordagem estrutural-funcionalista da antropologia.

Referências:

RADCLIFFE-BROWN, A.R. 1973. Estrutura e função na sociedade primitiva. Petrópolis: Vozes. Cap.1. “O irmão da mãe na África do Sul” [1924], p. 27–45

Alfred Radcliffe-Brown. Disponível em: https://www.ebiografia.com/alfred_radcliffe_brown/ data de acesso: 10 de outubro de 2020.

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Carlos Eduardo Oliveira

Estudante de Ciencias Sociais na Universidade Federal de São Paulo - Campi Guarulhos